Brincar: tekné e poiesis
O brincar é uma tekné e uma poiesis
O brincar é algo que antecede o brinquedo. Por isso digo que ele é uma tekné. Walter Benjamim já havia antevisto a imanência própria desse ato tão pouco compreendido pelos adultos. Não pelo fato de a infância permanecer algo inacessível, uma espontaneidade para sempre perdida. Mais do que isso, nós adultos tendemos a nos acostumar aos procedimentos que nos sujeitam – que produzem nossas experiências de vida ou de subjetivação. A criança está mais submetida, mas os adultos estão mais comprometidos com a produção do real.
Para quem tem a infância por tema recorrente, é duro perceber como as crianças estão limitadas aos contornos do comprometimento adulto com as formas dominantes de sociabilidade. Fugir de tais contornos, moldes e aprisionamentos, eis o que o brincar nos ensina. E a criança fabula também para fugir de tais cercos, tristezas e fechamentos do mapa do viver. Mas a fabulação, que é um modo de brincar, não é produto de uma limitação, mas antes a invenção primeira: uma pedra que chapisca na água é uma coisa que cada um aprende por si ou vendo o outro fazer. Há, no brincar, um fluxo de sensações a serem vividas. Um ardil da vida diante do ardil da razão estabelecida. Que tais estratégias encontrem nas crianças seus caminhos, é coisa que faz sentido.
Obviamente que o brincar não é um privilégio de crianças. Todas as culturas que deixam respirar a vida para além das resignações, por baixo, pelas beiradas ou por alguma brecha, têm o brincar
São também culturas permissivas, em que a mulher tem papel importante, que experimenta o feminino para além do que os machos adultos definiram como a experiência
É comum pensar que o brincar resolve-se numa vazão bruta de energia. Para uma cultura em que a libido é somente pensada como desperdício ou alívio imediato, quando não, controle sobre a vida livre dos outros, torna-se penoso, senão um desdém, imaginar outro modo de funcionamento para a ação lúdica. Ora, quando brinca o menino/menina abre um mundo e inventa a si mesmo o tempo todo, sempre mudando. Quantas vezes não ouvimos, mesmo, educadores dizerem: - as crianças precisam extravasar a energia acumulada!. De fato, energia retesada quer espaço. Mas não ao modo como pensam os adultos. Talvez, uma dos motivos seja o fato de o brincar estar em produção incessante. Acompanhar uma criança pequena desnorteia qualquer adulto. A vida, ali, não cessa de pular, de voltar, de encontrar o repouso no movimento e o movimento no repouso, fazendo conexões de sentido no meio do disparate e do imprevisto. Com tanta oferta, imaginam os adultos que o brincar vale muito pouco. Esse é um grande engano. O brincar é pura sofisticação. Isso quer dizer que quando brincamos nós produzimos uma tapeçaria, um vitral, uma sinfonia de acasos, errâncias e outras poéticas do efêmero. E que podem se resolver num objeto, que, então, chamamos de brinquedo. Mas o ato de brincar não depende de objetos especiais: qualquer coisa pode ser utilizada.
Tarefa primeira para educadores e artistas livres e descomprometidos: aprender a ver o brincar. Para isso, é preciso muita disciplina. O espontâneo não come à nossa mão sem muito exercício. Ensinar os educadores a demorar-se sobre as brincadeiras das crianças é a tarefa primeira. Ter em mãos uma caderneta de campo para anotações, a tarefa seguinte. E anotar muito. A partir disso, de um olhar não preconceituoso, acolhedor e gentil, pode-se começar a entender o brincar e a sua importante função na educação infantil e no aprimoramento da vida no planeta Terra. Outro detalhe: não se avexe, brinque também!
Um conhecimento exploratório e sensível
Quando brincam as crianças estão conhecendo o mundo de um modo exploratório e sensível. Porém, seria um equívoco pensar o brincar em termos de pura cognição. Há muitas e muitas linhas e planos perpassando a atividade que encontramos entre as crianças. Algo que se pode encontrar entre os adultos quando estes se vêem livres do julgo do esforço voltado a fins, a que chamamos de trabalho. Em primeiro lugar, trata-se de uma polimorfia que não entende a hierarquização da experiência de vida. É
Chamo de exploratória a atividade que se permite seguir e surpreende-ser a todo instante. O meu foco é o brincar corporal. No entanto, entendo o brincar num sentido amplo, já que a própria criança passa da utilização de um objeto para uma atividade em que o corpo é a linha que se faz seguir. Veja o curso de um filete de água: ele flui. É disso que se trata precisamente quando se fala em fazer seguir. Obviamente que a criança não está numa dimensão totalmente exploratória o tempo todo. Há linhas de conservação, de repetição. Mas isso já é uma nova exploração: um ritmo, um tempo dedicado a um ir e vir sem parar. Um estado que é instaurado a partir disso. Quando uma criança corre em círculos, ou quando balança sem parar, quando repete indefinidamente – já se trata de explorar uma permanência que, de todo jeito, irá variar, mas a partir de elementos quase imperceptíveis.
O brincar, quando é exploratório, não conhece os objetos que chamamos de brinquedos institucionalizados. Refiro-me, aqui, à uma cultura da criança em o
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