domingo, 4 de fevereiro de 2007

Um artesão do movimento

Num espaço aberto, observo de uma mesa, enquanto saboreio bem devagar um café, um menino com mais ou menos uns 05 anos, que brinca correndo em quase círculos. Há algumas poças de água, e ele corre em volta, algumas vezes passando muito perto, outras vezes pisando um pouquinho na àgua, de leve. O menino corre fazendo curvas bem amplas, para depois parar, quieto, assim, para nada. E então recomeça, tudo de novo.

Óbvio que somente uma criança faz isso, sem finalidade outra que não a própria atividade. Se fosse um adulto, seria no mínimo uma pessoa tida como anormal. Ou, então, um artista do movimento... O que é o menino, quando brinca (com) o corpo, senão esse artesão do movimento?
Não estou dizendo de um ofício, que o ofício do menino é brincar. Estou dizendo de um ser que interage sensivelmente com o mundo e que traça desenhos intensivos.

Seu avô – e tudo leva a crer que era – entra naquele espaço. Ou tenta. Vai em direção ao menino. Raro ver uma pessoa mais velha, assim, disposta a brincar a brincadeira de um menino. Também, como os meninos, os avôs se prestam para as atividades sem finalidades produtivas...

Os pais vão saindo, chamando, mas o menino não pára - continua a correr nesses amplos quase-círculos. O avô vai e imita um avião com os braços abertos. Ahh, acho que entendi: ele traduz o movimento do menino, suas curvas, em movimento de um avião. O avô quer dar significado ao movimento do menino.

O menino observa o avô. E não pára. Num momento parece que ia fazer como o avô fazia (imitar um avião), mas não, após um ínfimo de imitação – quase uma concessão, se entendi bem a “conversa” dos dois – o menino retoma os amplos quase-círculos.

O avô está encantado com o menino. Aproxima-se. Abraça-o. Traz para o menino o seu modo de brincar com o corpo do outro. O menino interage, copia o avô. Faz coisas com ele, como ele faz. Abraçam um ao outro.

E o menino volta a correr, em trajetórias amplas, quase-círculos. Uma necessidade, no mínimo. Depois o avô some para um lado. Os pais reaparecem, buscando o menino. A família vai embora toda junto.

O brincar é isso: as pessoas o consideram algo próximo de um desperdício de energias. Não entendem que é um modo de habitar o mundo, um artesanato do movimento.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Melhor se você postar seu comentário no novo endereço: http://culturadobrincar.redezero.org/

Esta postagem está salva no novo endereço

Aguardo sua visita!