Uma existência se abre quando levo meu filho mais novo de volta para sua casa. Andar ao lado de uma criança é sempre uma coisa muito especial. Mas naquele dia foi outra coisa: eu não andava mais em direção à sua casa com o objetivo de levá-lo tão somente, mas adentrava um mundo.
Explico isso melhor. Nós adultos nos perdemos do mundo real. Da vida corpórea e do sentido que lhe é inerente. Estamos sempre num monólogo interior, ausentes de nosso entorno e dos fluxos de consciência.
Volta e meia uma paixão triste, para pensar agora com Espinosa, me toma. Medito: que seja, tudo flui. E assim caminhamos os dois, conversando, mas deixando que a paisagem se desdobre em pura duração.
Folhas secas no chão, o ar limpo depois da chuva, a calçada, o céu, as casas... E mais folhas que aparecem aqui e ali, tudo em movimento, puro cinema.
Mas é a leitura de Bergson e Deleuze que me permite compreender melhor, mediante o que ele chama de intuição, o que vem a ser esse tempo presente. O presente é sempre o que passa. É sempre passado. E os tempos coexistem. Antes do presente, do qual procura se esquivar como sucedâneo de momentos, um após o outro, Deleuze instala-se, via Bergson, na pura duração, que é fluxo contínuo e heterogêneo, na qual os tempos coexistem, um em cima do outro, por camadas, e não linearmente, sucessivamente.
A descoberta do menino sobre o presente como o passado imediato é maravilhosa. Ainda aos 5 anos, lembro-me de ele me surpreendendo ao dizer:
- Agora, já passou...
Isso é maravilhoso.
No entanto, o mecanismo sensório-motor de nossos hábitos e linguagem produz uma situação de espera do que virá. Aprisionados entre uma imagem-lembrança e uma expectativa, nos recusamos a habitar uma pura duração.
Andávamos, então, de volta para a casa do menino. E não havia tristeza, nem da parte dele, nem da minha. E nem qualquer expectativa - não havia pressa de chegar a lugar nenhum. Sabíamos para onde íamos, só isso. E o tempo era todo nosso.
Veio até mim os idos da minha meninice, numa noite de Natal, virando uma esquina do bairro da minha cidade do nordeste de Minas, com meus revólveres de cowboy na cintura. Aquele passado coexiste com o presente que ele foi, essa a grande lição de Bergson, segundo Deleuze.
Quando habitamos uma duração pura, há um sucessão puramente interna, heterogênea e contínua (Deleuze, in Bergsonismo).
Subimos as escadas ainda conversando, os dois, findo o dia, esquecidos de si.